Trabalho Escravo ainda Existe!!!

O Plano Municipal de Prevenção e Erradicação ao Trabalho Escravo foi lançado às 9h do dia 24 de agosto de 2022,  no auditório Monsenhor Lindolfo Uchoa, em Barras-PI.

O plano é uma iniciativa popular e traz propostas que envolvem questões relacionadas à educação, saúde, saneamento básico e geração de emprego e renda, por exemplo, como forma de prevenir a migração forçada e a prática do trabalho escravo.

Mesmo após 134 anos da abolição da escravatura essa prática perversa ainda é encontrada nos dias de hoje e identificada como trabalho escravo contemporâneo. De acordo com o Ministério Público do Trabalho- MPT, no ano de 2021 mais de 2 mil pessoas foram resgatadas no Brasil. Em 2022, só no estado do Piauí, até agosto já foram resgatados  63 trabalhadores.

As características do trabalho escravo contemporâneo são identificadas como trabalho forcado, jornada exaustiva, servidão por dívida e situação degradante,  podemos constatar algumas dessas características abaixo, no trecho depoimento de Francisco Félix, trabalhador do município de Barras, resgatado do trabalho escravo na fazenda Brasil verde no Pará, no ano de 2000:

“A vida do trabalho escravo eu já passei por isso. Veio o gato aqui com as falsas promessas pra gente e daqui do município de Barras fomos 95 pessoas… aqui ele contou uma história e quando chegamos lá foi totalmente diferente… com três dias que já estávamos num barraco coberto com casca de pau, apareceu alguém e todo mundo já estava desmaiando de fome. Ai fomos trabalhar e passando necessidade, fiscalizados 24h por homens armados, ninguém podia ir na cidade comprar um creme dental porque não deixavam… era humilhante, podia estar chovendo ou não jogavam a agente no campo de trabalho. Nosso almoço era um pouco de arroz molhado com água de feijão e macaxeira…”

Contra o trabalho escravo há políticas de repressão e fiscalização consolidadas que respondem parte dessa demanda, já a prevenção fica a desejar. O Plano Municipal de Barras irá contribuir para a redução da prática do trabalho escravo no município bem como ampliar as possibilidades de políticas públicas voltadas para a prevenção.

A Comissão Pastoral da Terra juntamente com Comissão de prevenção do trabalho escravo do município, representantes da Igreja, sindicato de trabalhadores rurais, comunidades e assentamentos de Barras começaram se reunir e pensar estratégias de enfrentamento à prática do trabalho escravo tão presente na região. Depois de várias discussões e reflexões das alternativas possíveis, surge o plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Escravo de Barras-PI.

O município de Barras é um local de grande migração de trabalhadores e o êxito desse trabalho preventivo se dará a partir das parcerias realizadas. “Barras é um foco no centro do trabalho escravo… que é levado para outros municípios e outros estados, mas esse projeto que está sendo lançado agora é justamente pra ser erradicado. E acredito que com o envolvimento da prefeitura, das entidades da sociedade civil isso vai ser resolvido a médio e curto prazo no nosso município” afirma Cláudio Cézar, Secretário Municipal de Educação.

A prefeitura de Barras acolheu a proposta em fevereiro de 2022 e desde então foram realizadas várias audiências com secretarias estratégicas para ajustar o plano e torná-lo cada vez mais concreto e realizável. A pesar do prefeito de Barras, Edilson Sousa, não ter comparecido em nenhuma dessas audiências, nem mesmo apareceu durante o lançamento do plano, a prefeitura, através de suas secretarias, tem assumido o compromisso de implementar o plano a partir de 2023.

Cerca de 120 pessoas participaram do evento. Dentre estes, a presença das diversas comunidades que participaram do diagnóstico do plano municipal como: Cajazeiras, Assentamento Barro Preto, São Luis, Tipis entre outras. O momento contou ainda com a presença de representantes da CPT, Comissão de prevenção ao trabalho escravo de Barras,  Igreja, Polícia Militar,  MPT, Fórum estadual de prevenção e erradicação do trabalho escravo do Piauí,  Sindicato de trabalhadores e trabalhadoras rurais e  das secretarias municipais de Agricultura, Educação, Serviço e Assistência Social.

O Plano tem o apoio da Brucke le Pont, organização suíça que durante anos apoia a causa dos trabalhadores e trabalhadoras do campo no combate ao trabalho escravo no Piauí.

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Histórico do Plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Escravo de Barras-PI

A Comissão Pastoral da Terra juntamente com Comissão de prevenção do trabalho escravo do município, representantes da Igreja, sindicatos de trabalhadores rurais, comunidades e assentamentos de Barras começaram se reunir e pensar estratégias de enfrentamento à prática do trabalho escravo tão presente na região. Depois de várias discussões e reflexões das alternativas possíveis, surge o plano Municipal de Prevenção e Erradicação do Trabalho Escravo de Barras-PI em 2019.

Um diagnóstico nas comunidades foi realizado e a sistematização das propostas elencadas foi sistematizada no plano que logo seria entregue ao poder público como proposta de prevenção do trabalho escravo no município.

Ainda em 2019, mais especificamente no dia 02 de outubro,  a primeira proposta do plano foi entregue ao gestor municipal vigente na época, prefeito Carlos Monte (PTB), se comprometeu em discutir o plano em suas secretarias e em seu próximo mandato, caso fosse eleito naquele pleito, já que o ano de 2019 foi um ano eleitoral. Isso não ocorreu, pois o prefeito vigente na ocasião, não foi reeleito.

Com a posse do novo prefeito, em 2020, a Comissão de prevenção ao trabalho escravo de Barras e a CPT Piauí propuseram várias datas para a apresentação do plano ao novo gestor, mas este, não acolheu nenhuma delas e  logo em seguida no mês de março, a pandemia da Covid-19 paralisou todas as atividades no país. No inicio do ano de 2021, foram realizadas novas tentativas, sem êxito, de apresentação do plano de prevenção ao trabalho escravo ao novo gestor municipal, Edilson Capote (PSB) e com o aumento do números de casos de Covid-19 no estado, novamente as atividades foram paralisadas.

Apenas no dia 03 de fevereiro de 2022 a proposta do plano foi entregue pela segunda vez à prefeitura do município de Barras-PI, a a partir dessa entrega foi marcada a audiência do dia 27 de abril com o propósito de ajustar detalhes e acolher as proposições do poder público. Desde então várias audiências ocorreram e o plano ia se concretizando a cada encontro até que foi marcada a data do lançamento do plano, dia 24 de agosto de 2022.

Foi um caminho árduo para todos os envolvidos no processo, mas de grande recompensa e que nesta data celebram a concretização de um sonho coletivo, de um sonho real e possível para todas e todos os trabalhadores e trabalhadoras do município de Barras-PI. José Henrique, agente da CPT Piauí, engenheiro agrônomo e assentado no PA Baixa Fria reforça a importância do lançamento do plano para criação de políticas públicas de incentivo a permanência, sobretudo da juventude, na Terra junto com suas origens e destaca o caminho percorrido, que “pra chegarmos hoje no lançamento desse plano tivemos várias etapas, uma delas foi o diagnóstico feito pela comissão de prevenção do trabalho escravo de Barras nas comunidades, onde tivemos vários encontros pra fazer toda a montagem da proposta do plano. É muito importante esse lançamento hoje aqui. O município de Barras é considerado capital de exportação de mão de obra, mas também capital da reforma agrária e pra isso faltam políticas públicas, falta assistência técnica para que a juventude possa permanecer nos assentamentos e em suas comunidades.

Após o lançamento a prefeitura através de seus secretários presentes no lançamento criam um grupo de trabalho com representantes do legislativo municipal, sindicato, Igreja, organismos e organizações da sociedade civil para darem continuidade ao plano, que a parti de agora será implementado e fiscalizado por esse GT.

Barras polo exportador de mão de obra

O município de Barras é conhecido como grande exportador de mão de obra escrava para fazendas em São Paulo, Minas, Goiás, Pará entre outros estados do país.

A falta oportunidade de emprego, de políticas públicas de geração de renda e a baixa escolaridade dos trabalhadores e trabalhadoras, muitas vezes analfabetos, desencadeia um ciclo de migração forçada que atrai aliciadores de mão de obra barata,  e na busca de melhores condições de vida, pais, filhos, tios, sobrinhos e mesmo mães se arriscam em deixar suas famílias e tentar a sorte em outros estados, correndo o risco de serem escravizados.

Caso Brasil Verde

No final do ano de 2016 a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado Brasileiro a indenizar um grupo de 128 trabalhadores resgatados nos anos, sua maioria do município de Barras no Piauí, por terem sido submetidos ao trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, localizada em Sapucaia, sul do Pará. Este foi o primeiro caso de escravidão contemporânea decidida pela Corte, no caso, o Estado Brasileiro foi conivente com o trabalho escravo que ocorria na fazenda quando a ausência de efetividade na aplicação da lei em proteger os direitos humanos do trabalhadores e a impunidade sobre os culpados  permaneceu por dezesseis anos.

Só quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT), juntamente com o Centro de Justiça e o Direito internacional (Cejil), conseguiram identificar as diversas repetições das violações na Fazenda Brasil Verde e levantaram documentos e testemunhas a CIDH que acolheu e julgou o caso em 2015.

Muitos trabalhadores já foram identificados e já receberam a indenização, outros, quase dez anos depois da sentença julgada, ainda não foram pagos, ou não foram encontrados.